“O que aprendemos até agora com a COVID-19? Precisamos nos questionar sobre as razões que nos levaram a viver esse cenário de pandemia e, principalmente, nos reconhecer como responsáveis pelo desequilíbrio ecossistêmico que o provocou.”
A reflexão do presidente da Sociedade Latino-americana de Ecologia Humana (Solaeh), Amado Insfrán, nos convida a repensar os nossos modos de vida, as nossas práticas sociais e culturais e, sobretudo, a relação destrutiva que mantemos com a natureza.
Segundo o professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana (PPGEcoH) da UNEB, Artur Lima, as interferências ambientais provocadas pela ação humana e interações com animais silvestres, podem favorecer o surgimento de determinados hospedeiros, vetores e patógenos, a exemplo do novo coronavírus.
“A humanidade está vivendo com maior frequência as epidemias. Tivemos a primeira do coronavírus no início da década 2000, com o vírus da Sars. Estamos passando novamente pelo mesmo surto no século XXI. O processo de desmatamento, o crescimento desordenado da população nas grandes cidades, o processo de globalização, as migrações internacionais e o turismo são fatores oportunos para o desenvolvimento de epidemias”, afirmou o docente.
Nesse contexto, para além das medidas de combate à COVID-19, é importante que reconheçamos a nossa responsabilidade diante deste cenário e mudemos a nossa relação com a natureza. “Precisamos de uma reação coletiva e sistêmica de proteção às áreas naturais e de medidas urgentes de restauração dos ecossistemas”, reforçou o pesquisador Amado Insfrán.
Implicações psíquicas e sociais na pandemia
Dentro de um cenário de pandemia é importante destacar as implicações psíquicas e sociais que podem surgir. Com o isolamento social e a disseminação desenfreada de informações, nem sempre verdadeiras, cria-se um ambiente de medo e insegurança, que pode comprometer a saúde mental das pessoas.
As incertezas sobre a COVID-19, a mudança nas rotinas e a ausência do contato físico e social com outras pessoas podem causar diversos problemas relacionados à saúde mental, como estresse, ansiedade, depressão, quadro que tem sido favorecido pela propagação sistêmica de informações falsas.
“Vejo um cenário de medo e insegurança se instalando, com impacto direto na saúde mental das pessoas. Estamos vivendo um tempo histórico em que as informações estão sendo disseminadas de forma intensa, a partir de fontes nem sempre confiáveis. A humanidade ainda não aprendeu a lidar com esse fluxo informacional de forma consciente e crítica, o que acarreta diversos problemas de compreensão da realidade e dos eventos decorrentes de uma sociedade pandêmica”, avaliou professor do PPGECOH da UNEB, Anderson Armstrong.
O docente destacou ainda que essa conjuntura de desinformação e medo desvia o nosso olhar do que realmente importa, nos impedindo de refletir sobre o momento crítico que estamos vivenciando e sobre o nosso papel no desenvolvimento de ações resolutivas.
A presidente da Society for HumanEcology (SHE), Iva Pires, coaduna com Armstrong e afirma que a pandemia da COVID-19 é uma oportunidade de reflexão sobre o que a humanidade deseja para o futuro. “A sociedade evolui pela sua capacidade de flexibilidade e este momento serve para refletirmos sobre o que fizemos no passado e o que queremos para o futuro em uma escala global”, frisou a dirigente.
Relação do homem com as epidemias
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), cerca de 60% das doenças infecciosas humanas são zoonóticas, ou seja, transmitidas através de animais. Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Fernando Ávila Pires, explicou que os vírus e bactérias se modificaram ao longo do tempo e passou a ser transmitidos para o ser humano.
“As doenças da espécie humana foram adquiridas de animais silvestres durante a caça, a retirada de couro e pele, e na alimentação. Com o tempo, os vírus e bactérias se modificaram, de modo que se não recolonizam aos seus antecessores animais. Isso aconteceu com o sarampo, por exemplo. Admite-se que a doença descendeu dos cães na pré-história, cujo vírus se modificou e hoje é exclusivo dos humanos, e não reinfecta seus supostos reservatórios naturais históricos”, ilustrou o cientista.
Além da COVID-19, a PNUMA listou algumas doenças causadas por vírus que surgiram recentemente no mundo: Ebola, a Gripe Aviária, a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), o Vírus Nipah, a Febre do Vale Rift, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), a Febre do Nilo Ocidental, e o Zikavírus. E, para Ávila Pires, a COVID-19 não será a última pandemia a surgir entre os humanos.
“A condição humana na contemporaneidade, nossos modos de vida e a forma como nos relacionarmos uns com os outros e com o meio ambiente oportuniza o surgimento de novas epidemias, e com o contato direto e rotineiro entre pessoas de várias partes do mundo, a evolução do cenário para uma pandemia é facilitado”, explicou Pires.
O que é Ecologia Humana? – Segundo o site da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana (Sabeh), a Ecologia Humana pode ser compreendida como uma ciência que estuda as relações humanas, individuais e coletivas com seu entorno. Trata-se de um cruzamento de ciências, um campo epistemológico aberto ao diálogo entre as ciências sociais e naturais.
Segundo Juracy Marques, também professor do PPGECOH, a Ecologia Humana é a mais interdisciplinar das ciências que estudam o fenômeno humano. Esse campo de conhecimento teve como precursores os trabalhos de Emile Durkheim, Charles Darwin e de Sigmund Freud.
A primeira pessoa a usar o termo “Ecologia Humana”, em 1892, foi a química estadunidense, pioneira da área da engenharia sanitária, Ellen Swallow. Em 1907 ela escreveu: “Ecologia Humana é o estudo do entorno dos seres humanos nos efeitos que eles produzem na vida dos homens”.
Essa ciência adisciplinar, destaca Juracy Marques, pode dizer muito sobre o futuro da humanidade, não apenas sobre a problemática das epidemias e pandemias, mas, sobretudo, quanto ao desenho civilizatório que nossa espécie arquitetou para nós e as futuras gerações.
Ecologia Humana na UNEB
O Programa de Pós–Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental da UNEB é vinculado ao Departamento de Tecnologias e Ciências Sociais (DTCS) do Campus III da universidade, em Juazeiro.
Foi criado há 10 anos, a partir dos esforços de grupos de pesquisadores, liderado pelo professor da UNEB e sócio-fundador da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana (Sabeh), Juracy Marques.
Nessa década de atuação, o programa já formou 103 mestres em duas áreas de concentração de pesquisa: “Ecologia Humana e Gestão Socioambiental” e “Agroecologia e Saúde Humana”.
Em 2018, o doutorado do programa recebeu aprovação do Conselho Técnico e Científico (CTC) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para iniciar suas atividades, sendo o primeiro do continente americano.
O PPGECOH é atualmente coordenado pelo professor Carlos Alberto dos Santos e visa formar profissionais para atuar em diferentes campos de ação, sobretudo diante dos problemas socioambientais complexos que envolvem o comportamento da espécie humana e sua relação com o ambiente e a natureza.
O programa também faz parte da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana (Sabeh) e da Sociedade Latinoamericana de Ecologia Humana (Solaeh).