Crianças e jovens perambulam por todos os cantos, encantados. Adultos os organizam, atentam e conversam, igualmente maravilhados. Trocas são promovidas a todo o momento, o espaço é de liberdade e integração. A homenagem é feita com uma digna celebração.
Nesse cenário, foi dado início ontem (10) à programação pública da primeira edição da Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô) e ao tributo para Zélia Gattai, Myriam Fraga e Jorge Amado, que faria 115 anos justamente na data.
“Ele [Jorge Amado] dizia assim: ‘Eu quero que a Fundação [Casa de Jorge Amado] promova a literatura. Quero que sejam feitos encontros, que as pessoas participem e que os estudantes estejam presentes na vida da casa’. E, assim, estamos realizando a Flipelô, segundo as orientações dele”, revelou a diretora da instituição, Angela Fraga.
Até o próximo domingo (13), as ruas e os espaços culturais do Pelourinho estão ocupados por saraus, debates, encontros, oficinas literárias e apresentações artísticas gratuitas. A festa é realizada pela fundação, pelo Governo do Estado da Bahia e pelo Ministério da Cultura.
Um dos motivos de comemoração da gestora, o apoio institucional ofertado pela UNEB à festa foi destacado por Angela: “Essa parceria é muito importante, porque queríamos fazer um evento lúdico e que fosse interessante para um público diverso, porém, é essencial que ele tenha também notoriedade, o que a universidade agrega”.
Deus-dará: clamor, manifesto, ato político
Em espaços onde eram escutadas e ecoavam todas as vozes, uma vinda de além-mar arrancou aplausos da plateia que lotou o Teatro Sesc Senac Pelourinho.
Foi a da escritora e jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho, que participou de bate-papo motivado pela sua obra “Deus-dará – Sete Dias na Vida de São Sebastião do Rio de Janeiro, ou o Apocalipse segundo Lucas, Judite, Zaca, Tristão, Inês, Gabriel & Noé”. A atividade foi mediada pelo assessor de Projetos Interinstitucionais para a Difusão da Cultura (Apidic) da UNEB, Gildeci Leite.
“Nem sete vidas bastariam para agradecer tudo o que o Brasil me deu e dá, e tudo o que o Brasil dá ao mundo em sua infinita graça. Pisando nessas ladeiras do Pelourinho, nesse momento tremendo, em que tudo parece desmoronar, acima de tudo será hora de dizer o quanto, e mais do que nunca, esse país é soberano”, destacou a escritora.
Além de declarar o seu amor ao país que a acolheu por mais de quatro anos, e registrar o incômodo que tem com a forma com que o seu país lida com o seu passado colonizador, a portuguesa detalhou parte do processo que culminou na publicação da obra.
“O livro foi caminhando em direções que eu não tinha previsto, e coincidiu com a explosão do Brasil nas ruas, em 2013. Ele arrebentou por dentro, e eu fui caminhando a fundo para onde eu achei que deveria caminhar, que é nas raízes daquela história que estava acontecendo, nas raízes do passado colonial”, explicou a autora.
Alexandra fez também do Brasil seu território para olhares de uma viajante preocupada em retratar e compreender o que descrevia longe de percepções reducionistas e estereotipadas. Assim, avalia o professor Gildeci.
“Deus-Dará não é um livro escrito ao Deus dará, o romance contém marcas de pesquisas históricas, que trazem novidades sobre o Brasil, até para um brasileiro oportunizado em experiências de pesquisas acadêmicas”, ressaltou o pesquisador.
Ainda de acordo com Gildeci, participar da Flipelô consiste em uma maneira de ratificar a ideia de que é essencial “reafirmar a importância da literatura e das outras artes que com ela fazem conexão, a exemplo da música e do cinema, para a formação do ser humano”.
Poesia e protesto
Da produção canônica aos gritos das ruas. Todas as manifestações artísticas têm vez na Flipelô. Assim comprovou a mesa A rua é nóiz – Poesia e protesto, que contou com a participação do rapper Emicida, do presidente do Olodum, João Jorge, e foi mediada por Larissa Luz.
“Durante muito tempo, acreditei que os livros não me pertenciam. Que um dos atributos que o poeta precisava ter era estar morto. Gostaria de agradecer por estar aqui. São tão raros esses espaços no Brasil”, destacou Emicida.
O rapper revelou ainda que o livro Capitães de Areia, de Jorge Amado, foi o primeiro que leu e se viu dentro da narrativa. “Foi tipo um soco. Porque eu li aquela parada e levantei a cabeça respirando fundo”, frisou, salientando que foi inspirado pelo baiano para construir o trecho “Atabaques vão soar como tambores de guerra”, da música Triunfo.
Líder de um dos blocos-afro mais representativos do Carnaval da Bahia, João Jorge disse que após extrapolar as primeiras referências literárias europeias, teve discernimento do potencial transformador que a poesia poderia ter em sua vida.
“Percebi que podíamos fazer literatura, fazer revolução. Fazer do Carnaval a veia poética mais profunda do movimento negro brasileiro. Eis que desobedeci minha mãe, meu pai, a igreja, os políticos da Bahia, e, pela literatura e pelo amor à poesia, virei carnavalesco”, contou João.
Experiência de imersão
Um grupo de estudantes da UNEB viajou por mais de 450 km, entre o município de Seabra e Salvador, para prestigiar a primeira festa literária internacional promovida na capital.
“Essa está sendo uma experiência inigualável. Quero aproveitar ao máximo, por isso vamos ficar até o fim. Interesso-me muito pelos temas relacionados às discussões de gênero e étnicas”, ressaltou Carla Cleide Lopes, estudantes do curso de Letras – Língua Portuguesa e Literaturas.
A discente também é bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e garante que será agente multiplicadora dos aprendizados adquiridos durante o evento: “Viemos em busca de bagagem para passar para os nossos alunos”.
Com proposta semelhante, a supervisora do Pibid em Seabra, Júlia Santos de Souza, acompanha o grupo de estudantes e avalia a participação como um momento inesquecível em sua vida.
“Para mim, essa é uma oportunidade ímpar. Estou buscando aprendizagens significativas para que, ao chegar na escola, possa transmitir para os meus colegas. Espero que junto possamos pensar ações em prol do que estamos vivenciando aqui”, salientou Júlia.
Representantes da UNEB ainda participam da programação, que segue até o próximo domingo (13). Estudante do curso de Pedagogia do Campus I, em Salvador, Douglas de Almeida irá participar do projeto A Voz Edita, às 18h do próximo sábado (12), no Café Teatro Zélia Gattai.
“Espero mostrar a minha poesia e a minha trajetória. Mostrar um pouco dos meus poemas antigos e a minha produção atual. A minha trajetória de quase 40 anos de poesia, agora vai a reboque do olhar pedagógico que hoje eu tenho”, afirmou Douglas.
O professor Gildeci Leite ainda vai mediar o Bate-papo Nem te Conto, com Rafael Rodrigues (BA) e Marcelo Moutinho (RJ), no dia 12 de agosto, às 14h, no Teatro Sesc Senac Pelourinho. Confira a programação completa do evento.
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