Uma aula de democracia. Um momento histórico da universidade. Essas foram algumas das opiniões mais ouvidas durante e após a explanação de José Eduardo Cardozo, que ministrou a aula magna do semestre letivo 2017.1 da UNEB na tarde dessa sexta-feira (17).
O ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União do governo Dilma Rousseff atraiu grande público ao espaço instalado na quadra poliesportiva do Campus I, em Salvador, apesar da tarde quente de verão.
Para responder à indagação proposta como tema da aula inaugural, “Estado de Exceção no Brasil atual?”, Cardozo fez uma resenha histórica para demonstrar a evolução conceitual de Estado e de democracia. Desde a formação dos Estados nacionais na Idade Média e as monarquias absolutistas, passando pelas revoluções burguesas e a consolidação do capitalismo, até o advento dos modelos republicanos e o Estado de Direito, culminando no contemporâneo Estado democrático de Direito – como o instituído no Brasil pela Constituição de 1988, que estabelece condições bem definidas para a adoção de um Estado de Exceção.
“Com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, teve início um Estado de Exceção no país. Um Estado de Exceção que está totalmente fora das hipóteses constitucionais, que não surgiu para a defesa do Estado de Direito como está previsto na Constituição. É um Estado de Exceção imposto para atender segmentos da nossa elite que estavam descontentes com o resultado das eleições em 2014 e segmentos da nossa classe política que temiam que as investigações contra a corrupção os atingissem”, defendeu Cardozo.
Segundo o ex-ministro, “não houve nenhum crime da responsabilidade cometido pela presidenta Dilma que justifique o impeachment. Portanto, o que ocorreu foi um golpe parlamentar e jurídico, apoiado por grupos da elite empresarial e da mídia conservadora que querem a volta das políticas neoliberais ao país”.
Sob entusiásticos aplausos do público, José Eduardo Cardozo finalizou: “E agora, cabe a questão: aceitaremos pacificamente o rasgar da nossa Constituição? Não, com certeza não aceitaremos. Eu confio, sinceramente, que esta situação deprimente que se instalou no país com o afastamento da presidenta precisa ser enfrentada, de forma pacífica e democrática, por todos nós, povo brasileiro. Vamos, juntos, reconquistar o Estado democrático de Direto no Brasil! E a universidade pública tem um papel fundamental nesse processo!”.
Concluída a explanação do ex-ministro, instaurou-se um debate aberto a todos os presentes, inicialmente conduzido pelos docentes da universidade Ricardo Moreno e Milton Pinheiro.
UNEB PELA DEMOCRACIA
A aula magna de José Eduardo Cardozo integrou a programação de lançamento do Comitê UNEB pela Democracia, formado por representantes dos segmentos docente, técnico administrativo e discente e por membros gestão da universidade.
Após parabenizar a organização do evento e agradecer a presença do ex-ministro e dos convidados de outras instituições e, em especial, a participação ativa da comunidade universitária, o reitor da UNEB, José Bites de Carvalho, destacou a importância da instalação do Comitê UNEB pela Democracia.
“Fico muito feliz de, nesta gestão, estarmos instalando e consolidando esse processo na universidade. Esse comitê, que foi pensado por alguns professores e logo tiveram o apoio das representações dos segmentos da comunidade acadêmica e da gestão, se constitui em mais um espaço de resistência e de defesa da universidade pública e dos nossos direitos”, disse o reitor.
Bites reiterou que faz parte do projeto da gestão a defesa da ampliação dos espaços democráticos na universidade. “Essa é uma luta desta gestão. Ampliamos a discussão e a participação de todos os segmentos da comunidade, porque acreditamos firmemente que somente assim vamos poder formar profissionais qualificados, críticos e cidadãos. Inclusive, defendemos e aprovamos nos conselhos superiores da instituição a introdução das representações da comunidade, a exemplo da representação docente, que antes não existia”.
Para o ex-ministro conhecer melhor a universidade, o reitor presenteou Cardozo com um exemplar da nova edição do Anuário UNEB em Dados.
A vice-reitora Carla Liane Nascimento acrescentou que a UNEB é uma universidade multicampi, popular e que tem uma inserção em toda a Bahia.
“Estamos promovendo a verdadeira inclusão da educação superior pública no estado. E inclusão é também luta pela democracia, contra retrocessos conservadores, contra a retirada de direitos sociais. A implantação desse comitê é mais uma ação relevante que a comunidade e a gestão da UNEB realizam nesse sentido”, considerou a vice-reitora.
COMUNIDADE MOBILIZADA
Transmitida ao vivo para todos os campi da universidade, por videoconferência, e pelas redes sociais, a aula inaugural seguida de debate teve expressiva participação da comunidade acadêmica e diretores de departamento da UNEB, além da presença de representantes de outras instituições – a exemplo da Universidade Federal da Bahia (Ufba) – e de deputados, vereadores e outras autoridades e lideranças.
Bastante aplaudido foi o nonagenário Waldir Pires, ex-governador da Bahia, que, no ano passado, foi homenageado pela UNEB com o título do doutor honoris causa da instituição.
Falando sobre o atual cenário nacional depois da destituição da presidente Dilma Rousseff, a discente Michele Menezes, da coordenação do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade, avaliou que as recentes ocupações estudantis também contribuíram na criação do Comitê UNEB pela Democracia.
“Nós, estudantes, estamos tendo um forte protagonismo no atual processo politico. Com as ocupações e outras ações, tivemos um grande ganho em nossa luta, conseguimos unificar os campi da UNEB em prol da democracia”, afirmou a discente.
No entendimento do professor Ivan Novaes, que coordena a Secretaria Especial de Avaliação Institucional (Seavi) da UNEB, “a instalação do comitê fortalece a democracia e os espaços de participação, reflexão e debate sobre uma situação que está instalada em nosso país e que requer, evidentemente, um cenário de mudança. E esse evento tão participativo hoje mostra o quanto nossa universidade está alinhada com os movimentos sociais e o momento político atual”.
“Estimular esse debate, apresentado na aula magna, é totalmente relevante no contexto atual, porque percebo que ainda existe uma apatia muito grande dos grupos sociais. Inclusive entre nós, técnicos administrativos, que temos sido mais prejudicados, por sermos profissionais ainda pouco valorizados como servidores públicos”, considerou o analista universitário Rodrigo Sales, gestor técnico do Campus I.
Reforçando a relevância da criação do comitê, a professora Caroline de Araújo, da diretoria executiva da Associação dos Docentes (Aduneb) da instituição, defendeu que “a universidade não pode se isentar dessas discussões, nem os sindicatos ou representações e outros setores da sociedade. A situação hoje no país nos convoca à luta”.
De acordo com a docente, “esse comitê tem uma função política de trazer ao debate as reformas que esse governo golpista quer implementar, principalmente aquelas que vão impactar de forma negativa na vida das mulheres e na juventude, a exemplo da Previdência. O comitê tem essa importância de politizar o debate. Para nós é importante ressaltar que não importa o governo que esteja no poder, qualquer governo que fere o Estado democrático iremos debater e combater”.
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*Participaram os repórteres Hércules Andrade e George Andrade/Ascom. Fotos: Cindi Rios/Ascom