Convidado para abrir a programação acadêmica do 33º Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Contábeis (Enecic), o ex-ministro Ciro Gomes esteve, na noite ontem (16), pela primeira vez no Campus I da UNEB, em Salvador.
Além de ministrar a palestra “A Ciência Contábil em tempo de crise”, o advogado e político concedeu entrevista exclusiva para a Assessoria de Comunicação da universidade.
A conversa foi conduzida pelo tema da educação superior pública e transitou pelas relações entre as instituições de ensino superior, a política e o povo; pelas trocas promovidas entre a academia e os poderes legislativo e executivo; e pelo impacto social do investimento em Ciência e Inovação.
O entrevistado convocou a comunidade acadêmica para “criar uma corrente de opinião”, orientada pela “luz da inteligência, do coletivo, do método”, sobretudo, para a superação de um cenário que ele afirma ser o pior vivido durante a sua vida pública: “eu nunca vi o nosso país em uma situação tão ruim, tão degradante e tão explosivamente ameaçadora como estou vendo agora”.
Leia abaixo a segunda parte da entrevista ou ouça as respostas de Ciro Gomes:
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO (ASCOM) – Como ex-gestor e pesquisador do Brasil, qual a importância de continuar a participar de eventos como este, promovendo debates com estudantes de graduação e, em especial, com a juventude acadêmica?
CIRO GOMES – Eu brinco sempre que: ou eu faço isso, ou deprimo. Porque eu sofro da doença da lucidez. E eu estou vendo – vou usar uma expressão pouco elegante – a merda que está acontecendo com o Brasil. Eu tenho 40 anos de experiência, e eu nunca vi o nosso país em uma situação tão ruim, tão degradante e tão explosivamente ameaçadora como estou vendo agora.
E eu, diante disso, posso fazer duas coisas: ficar quieto ou lutar. Acho que é meu dever lutar. E é o que eu estou fazendo. E eu luto em boa companhia, porque o jovem brasileiro, especialmente aquele que está tendo a condição de ler, que é o jovem universitário, estudante, é em um só tempo a primeira, e mais grave, vítima dessa decadência, dessa degradação do Brasil. Mas, é nele que está a semente da insurgência revolucionária que eu quero ajudar a acender.
ASCOM – Figuras públicas já o criticaram por uma sugerida dificuldade de tornar suas ideias acessíveis ao grande público. Críticas semelhantes são apresentadas às instituições de educação superior (IES).
Qual caminho o senhor acredita que deve ser trilhado para a inclusão das populações no debate político, de país e sobre a produção acadêmico-científica?
CIRO – Primeiro, resistir a essa pressão vulgarizante, que basicamente replica entre nós do campo progressista a apologia da ignorância. Só que com a apologia da ignorância quem ganha é o Bolsonaro. Bolsonaro vai passar, mas, o bolsonarismo boçal precisa da ignorância para vicejar.
Então, você só faz o que ele está fazendo e ganha eleição, porque ele faz uma aposta na ignorância do povo. E se a gente fizer uma aposta na ignorância do povo, a gente vai perder, além de não ser uma coisa correta.
Eu acho que a ideia tem que ser correta, sofisticada. Não existe solução simples para problemas complexos. Os números têm que ser trazidos. Você pode cometer erros, mas corrige. Mas, o método deve ser o debate da natureza do problema, da solução e da crença de que a solução tem que ser uma obra coletiva. Porque nada sério se faz no lapso de uma vida humana, muito menos de uma vida humana já tendente à vida adulta para velha.
Você imagina que o Ceará conseguiu a melhor educação pública do Brasil ontem? Não, faz 20 anos. Ninguém vai fazer saneamento básico, 14 milhões de pessoas sem teto para morar, sem amadurecer quanto custa, de onde vem o dinheiro e é aí que está o debate. Eles não querem esse debate, porque se a gente o fizer vai ficar muito claro que o Brasil pode. Mas, para fazer isso, nós precisamos ter um ajuste de contas com os poderosos de hoje.
Ou seja, esse é um de dois países no mundo que não cobram tributos sobre os lucros e dividendos das grandes corporações. Só o Brasil e a pequena Estônia. Então, eu estou dizendo que aí tem R$ 70 bilhões, com os quais eu revoluciono a moradia no Brasil. R$ 70 bilhões por ano. Eu liquido essa fatura.
Estou dizendo que o Brasil faz renúncia fiscal, dispensa cobrança de imposto, de R$ 360 bilhões por ano. Se a gente cobrar 20%, temos mais R$ 70 bilhões por ano. Eu digo onde é que vai haver uma revolução na saúde, dizendo quanto custa, de onde vem o dinheiro.
Mas, para fazer isso, eu estou dizendo que vou tomar dinheiro de uma minoria de ultrapoderosos que vão trabalhar no limite do que puderem, e não puderem, para me desmoralizar, calar minha boca, não deixar que eu fale, me desqualificar por adjetivos.
Ora, essa é a essência da luta. Eu vou para quebrar ou ser quebrado. E, um dia, alguém vai ver quem estava com a razão.
ASCOM – O senhor habitualmente apresenta registros do fortalecimento da Educação Básica no estado do Ceará em suas entrevistas. Qual a contribuição da Educação Superior para a consolidação deste cenário positivo?
CIRO – Tudo. Deixa eu dizer com clareza: o Ceará ganhou, na minha gestão de governador, o prêmio mundial de combate à mortalidade infantil. Quem produziu isso? Claro que a decisão política nós tomamos. Mas, quem nos deu a ferramenta? Foi o pensamento acadêmico. A Sociedade Brasileira de Pediatria, a Pastoral da Criança, a universidade, enfim.
O Ceará tem esse processo de Educação Básica e agora já germinou para a educação média. O Ensino Médio do Ceará também já é o melhor do Brasil. Uma de cada três escolas já é tempo integral profissionalizante.
Quem nos deu a luz para isso? Além dos bons exemplos: [Leonel] Brizola, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, foi todo um esforço dos professores, dos nossos mestres, que foram “manualizando” os procedimentos.
Era um processo de tentativa e erro, sempre supervisionado. E eu diria mesmo: o êxito do Ceará é uma variável da universidade, do pensamento científico, acadêmico, que hoje parece até uma coisa ruim. Parece, assim, que se o cara é acadêmico, é um idiota, um pária.
Mas, isso é o que predispõe o Brasil ao lulopetismo corrompido e ao bolsonarismo boçal, um se sustentando no outro e os dois se sustentando na ignorância do povo. Ou a gente muda isso, ou o Brasil não tem muita sorte como nação.
Ciro Gomes
Foi deputado estadual por duas legislaturas no Ceará, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará, ministro da Fazenda, durante a implantação do Plano Real, e da Integração Nacional.
Leia/ouça também a primeira parte da entrevista de Ciro Gomes à Ascom
Fotos: Danilo Oliveira/Ascom