Em moção votada na Assembleia Geral Ordinária dos Sócios, no dia 23 de julho, em sessão virtual, a SBPC exorta os brasileiros a se unirem e lutarem em favor das conquistas sociais, da vida e da democracia, para superarmos a presente crise, possivelmente a mais grave de nossa História recente. “Neste bom combate, a ciência tem que assumir um protagonismo inédito no País. Vamos ajudar a construir um novo Brasil, do qual possamos nos orgulhar”
Leia o manifesto na íntegra:
CARTA DE JUIZ DE FORA
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, que completou 73 anos no dia 8 de julho, dia do pesquisador e da ciência, sempre lutou pela ciência, pela educação, cultura, meio ambiente, saúde, direitos sociais, questões que, por sua vez, estão inseridas na construção, consolidação e fortalecimento da democracia. Ao longo dos últimos dezessete meses, a SBPC se mobilizou intensamente, junto com outras entidades, para defender a democracia e a vida, pois ambas estão atualmente em risco. A SBPC realizou a Marcha pela Ciência, motivada pelo Pacto pela Vida e pelo Brasil, documento assinado por várias entidades da sociedade civil, como OAB, ABI, CNBB, Comissão Arns, ABC e a própria SBPC, que foi amplamente divulgado pela imprensa e entregue a várias autoridades. Também, junto com várias entidades da área de saúde, como a Abrasco e o Conselho Nacional de Saúde, participou da Marcha pela Vida, ocasião em que a SBPC organizou um painel no qual cientistas de diferentes áreas de conhecimento mostraram como refletem sobre a vida humana, vegetal ou animal.
Ante as seguidas agressões à democracia, a SBPC participou, com cerca de 80 entidades que constituem a campanha do Brasil pela democracia e pela vida, da “Virada pela democracia”, com um painel sobre “Ciências e Democracia”. Cabe ainda lembrar que a SBPC atuou no Movimento Alerta, somada a várias organizações da sociedade civil, com as quais apresentou estudo científico de mortes evitáveis à CPI da COVID e criou o Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade, visando a enfrentar as várias perseguições a instituições de pesquisa e a pesquisadores nas suas atividades científicas.
Levando em conta o agravamento da situação sanitária, ambiental, política e socioeconômica, a SBPC manifesta-se enfaticamente, ao término de sua Reunião Anual em Juiz de Fora, pelo fortalecimento da democracia no Brasil, incluindo a realização de eleições em 2022, mas não se limitando a este ponto. Constata que a democracia brasileira tem sido ameaçada por ações que infringem o espírito e a letra da Constituição Federal de 1988, que proclamou explicitamente como “objetivos fundamentais” de nossa República “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
A SBPC se solidariza com os familiares e amigos dos mais de 547 mil brasileiros que perderam a vida devido à presente pandemia, e considera que não se pode elidir a responsabilidade do governo federal por muitas dessas perdas, devido à deliberada negligência na adoção das medidas de prevenção ao coronavírus, somada ao descaso com a aquisição de vacinas, fatos esses comprovados por sucessivos testemunhos de conhecimento geral, inclusive no Congresso Nacional.
Conclama, por estas razões, todos os brasileiros, e em especial os detentores de cargos nos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, a assumirem suas responsabilidades em favor do círculo virtuoso pelo qual a inclusão social e a defesa do meio ambiente constituem dois pilares para construirmos uma sociedade livre, justa e solidária, por sua vez condição para o desenvolvimento sustentável e justo de nossa economia. Isso é necessário para realizarmos todos os potenciais humanos e naturais que têm estado subdesenvolvidos devido às enormes desigualdades sociais que vivemos. A construção desse círculo virtuoso não pode prescindir da educação de qualidade, com acesso igualitário em todos os níveis, e da ciência e tecnologia. A defesa destes valores constitucionais e éticos implica uma forte mobilização nacional em prol dos pontos consagrados na Constituição e nas leis, que têm sido sistematicamente desrespeitados pelo atual governo federal, como os direitos das populações indígenas e quilombolas e a laicidade do Estado.
Esta mobilização nacional deve priorizar, em nosso entender, a união de todos os brasileiros que valorizem a democracia e a vida em torno das seguintes prioridades:
1) Contenção da pandemia, pela implementação das medidas não farmacológicas recomendadas pelos especialistas na saúde, tais como o distanciamento físico, o porte de máscara, a higiene permanente, que se resumem no cuidado de si e no absoluto respeito à saúde dos outros, em especial crianças e idosos, cessando a desinformação intencional quanto a esses cuidados, propagada por autoridades ou por particulares;
2) Conclusão acelerada da vacinação, que se atrasou em decorrência de descaso e inépcia governamentais que, graças em especial à CPI da Covid e ao trabalho da mídia, se tornaram de conhecimento público, sendo que as responsabilidades devem ser plenamente apuradas, ensejando as consequências de lei;
3) Enfrentamento da crescente miséria e fome de nossos concidadãos, mediante um auxílio emergencial significativo, que dure o tempo necessário, devendo ser financiado pelos contribuintes de maior renda e fortuna;
4) Retomada imediata do financiamento adequado de nossas universidades, institutos de pesquisa e agências de fomento, bem como valorização das carreiras dos(as) diversos servidores públicos que sustentam estas instituições, visando a um desenvolvimento econômico baseado no conhecimento e na inovação tecnológica, que dê perspectivas de formação e conduza ao aproveitamento do enorme potencial criativo da população brasileira;
5) Absoluto respeito às normas constitucionais e legais protetoras do meio ambiente, que não pode mais ser agredido com a complacência dos poderes públicos, da cultura, que não pode ser censurada, da educação, que jamais deveria ter sido negligenciada como o vem sendo, dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e tradicionais que fazem parte da sociodiversidade da nação brasileira, e do trabalho, que deve ser respeitado e valorizado;
6) A recomposição da dimensão social do Estado brasileiro, severamente prejudicada pela política conduzida nestes últimos anos, e que se torna ainda mais necessária num contexto de graves perigos à saúde e de atraso na educação básica, fatos devidos à pandemia.
É nosso entendimento que as ações sistemáticas do Presidente e de seu governo, contrárias aos preceitos constitucionais e aos valores éticos, nas áreas de educação, ciência, cultura, saúde, meio ambiente e inclusão social, justificam a imperiosa necessidade de que o Congresso dê seguimento aos atos de investigação sobre elas, seguindo os procedimentos constitucionais, com as devidas consequências.
Finalmente, a SBPC lembra que somente uma ampla mobilização popular foi capaz de conquistas como o fim da ditadura militar, em 1985, bem como ganhos sociais, como a construção do Sistema Único de Saúde, orgulho do Brasil, a expansão da educação e a consolidação do nosso sistema nacional de ciência e tecnologia, ao longo das últimas décadas. Por isso mesmo, exorta os brasileiros a se unirem e lutarem em favor das conquistas sociais, da vida e da democracia, para superarmos a presente crise, possivelmente a mais grave de nossa História recente. Neste bom combate, a ciência tem que assumir um protagonismo inédito no País. Vamos ajudar a construir um novo Brasil, do qual possamos nos orgulhar.
Juiz de Fora, 23 de julho de 2021.
Confira a íntegra do manifesto também no site da SBPC.